• terça-feira, 15 de janeiro de 2013

    Reflexões sobre a arte de saber ouvir

    Um dos maiores problemas de comunicação, tanto a de massas como a interpessoal, é como o receptor, ou seja, o outro, ouve o que o emissor, ou seja, a pessoa, falou:
    Numa mesma cena de telenovela, notícias de telejornal ou num simples papo ou discussão, observo que a mesma frase permite diferentes níveis de entendimento.
    Na conversação dá-se o mesmo.   Raras, raríssimas são as pessoas que procuram ouvir.  Diante desse quadro venho desenvolvendo uma série de observações e como ando bastante entusiasmado com a formação delas, divido-as com o competente leitorado que por certo me ajudará, passando-me as pesquisas que tenha a respeito.
    Observo que:
     
    1. Em geral, o receptor não ouve o que o outro fala; ele ouve o que o outro não está dizendo.
    2. O receptor não ouve o que o outro fala; ele ouve o que quer ouvir.
    3. O receptor não ouve o que o outro fala; ele ouve o que já escutara antes e coloca o que o outro está falando naquilo que acostumou a ouvir.
    4. O receptor não ouve o que o outro fala.  Ele ouve o que imagina que o outro ia falar.
    5. Numa discussão, em geral, os discutidores não ouvem o que o outro está falando.  Eles ouvem quase que só o que estão pensando para dizer em seguida.
    6. O receptor não ouve o que o outro fala.  Ela apenas ouve o que está sentindo.
    7. A pessoa não ouve o que a outra fala.  Ele ouve o que gostaria de ouvir o que o outro dissesse.
    8. A pessoa não ouve o que a outra está falando.  Ela retira da fala da outra apenas as partes que tenham a ver com ela e a emocionem, agradem ou molestem.
    9. A pessoa não ouve o que a outra está falando.  Ela retira da fala da outra apenas as partes que tenham a ver com ela e a emocionem, agradem ou molestem.
    10. A pessoa não ouve o que a outra está falando.   Ouve o que confirme ou rejeite o seu próprio pensamento.  Vale dizer, ela transforma o que está falando em objeto de concordância ou discordância.
    11. A pessoa não ouve o que a outra está falando.  Ouve o que possa se adaptar ao impulso de amor, raiva ou ódio que já sentia pela outra.
    12. A pessoa não ouve o que a outra fala.  Ouve da fala dela apenas aqueles pontos que possam fazer sentido para as idéias e pontos de vista que no momento estejam influenciando ou tocando mais diretamente.  Esses doze pontos mostram como é raro e difícil conversar.  Como é raro e difícil se comunicar!  O que há,m em geral, ou são monólogos simultâneos trocados à guiza de conversa, ou são monólogos paralelos, a guiza de diálogo.   O próprio diálogo pode se dar, sem que haja necessariamente comunicação.  Pode  haver até um conhecimento a dois sem que necessariamente haja comunicação.  Esta só se dá quando ambos os pólos ouvem-se, não, é claro, no sentido de escutar mas de procurar compreender em sua extensão e profundidade o que o outro está dizendo.
    Ouvir, portanto, é muito raro.  É necessário limpar a mente de todos os ruídos e interferências do próprio pensamento durante a fala alheia.
    Ouvir implica uma entrega ao outro, uma diluição nele.  Daí a dificuldade de as pessoas inteligentes efetivamente ouvirem.   A sua inteligência em funcionamento permanente, o seu hábito de pensar, avaliar, julgar e analisar tudo interferem como um ruído na plena recepção daquilo que o outro está falando.
    Não é só a inteligência a atrapalhar a audiência.  Outros elementos perturbam o ato de ouvir.   Um deles é o mecanismo de defesa.  Há pessoas que se defendem de ouvir o que as outras estão dizendo por verdadeiro pavor inconsciente de se perderem a si mesmas.,  Elas precisam “não ouvir”, porque “não ouvindo” livram-se da retificação dos próprios pontos de vista, da aceitação de realidades diferentes das próprias, de verdades idem e assim por diante.  Não ouvir é, pois, sólido mecanismo de defesa.
     
    Ouvir é um grande desafio.   Desafio de abertura interior, de impulso na direção do próximo, de comunhão com ele, de aceitação dele como é e como pensa.  Ouvir é proeza.  Ouvir é raridade.  Ouvir é ato de sabedoria.
    Depois que a pessoa aprende a ouvir, ela passa a fazer descobertas incríveis, escondidas ou patentes em tudo àquilo que os outros estão dizendo a propósito de falar.
     
    Arthur da Távola

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