• quinta-feira, 3 de julho de 2014

    Geração de Energia Elétrica pelas Ondas do Mar

    Segen Estefen* e colaboradores**
    SegenArtigoScientiAmer
    A busca por alternativas energéticas que causem menos impactos ao meio-ambiente passou a fazer parte do planejamento estratégico das nações. O aproveitamento do comprovado potencial energético dos oceanos configura, atualmente, como uma possibilidade promissora para produzir energia limpa. Marés, ondas e correntes marinhas são recursos renováveis, cujo aproveitamento para a geração de eletricidade registra significativos avanços tecnológicos e apresenta vantagens, em termos de acessibilidade, disponibilidade e aceitabilidade, que vêm sendo propagadas pelo Conselho Mundial de Energia (2000) para o desenvolvimento de alternativas energéticas.
    Estimativas recentes indicam que a energia contida nas ondas do mar é de cerca de 10 TW (1 Terawatt = 1000 Gigawatt), equivalente a todo o consumo de eletricidade do planeta. Obviamente há restrições quanto ao uso de grandes áreas dos oceanos, devido às rotas de navegação, regiões turísticas e de lazer, assim como pelos decréscimos associados ao rendimento dos conversores. Contudo, ainda revela-se significativa a quantidade de energia dos oceanos a ser convertida em eletricidade. O percentual de 10% de aproveitamento do potencial energético total das ondas, considerado realístico para as próximas décadas, representaria acréscimo da ordem de 1000 GW na matriz energética mundial.
    A geração de eletricidade pelas ondas se configura também como uma nova oportunidade para negócios no setor de energia. O aumento da demanda, impulsionado pelo crescimento da economia mundial e comércio cada vez mais globalizado, está inserido num cenário de preocupações com temas como o aquecimento global e o alto preço do petróleo. Estima-se que a consolidação da tecnologia de aproveitamento da energia das ondas se dê num prazo de 10 a 15 anos. As tecnologias que se mostrarem comercialmente competitivas irão disputar cerca de 5 % do mercado mundial de energia elétrica. Além disso, deve-se considerar que, em médio prazo, com o declínio das reservas petrolíferas, a substituição parcial por energias limpas e renováveis irá priorizar os recursos ambientais locais.
    Considerando que a extração da energia eólica já se encontra em fase comercial, enquanto a extração das energias das ondas ainda está em fase de desenvolvimento, com alguns protótipos em operação, as estimativas revelam-se ainda mais positivas. Admitindo o valor de dois milhões de dólares por MW instalado de energia das ondas e um mercado correspondente a 5% da potência instalada em termos mundiais, este setor poderia movimentar recursos da ordem de um trilhão de dólares.
    Tecnologia e geração
    Várias tecnologias para a extração de energia das ondas já se encontram em testes no mar como, por exemplo, o dispositivo denominado Pelamis, com potência nominal 750 kW, e o projeto Limpet, com potência 500 kW, ambos lançados pelo Reino Unido; o projeto AWS, com 2 MW, da Holanda; o projeto OWC, com 400 kW, de Portugal; e o projeto Wave Dragon, com geração de 20 kW de potência na fase inicial, da Dinamarca. Estados Unidos, Canadá, Austrália, Irlanda e Japão, entre outros, são exemplos de países que também vem desenvolvendo pesquisas nesta área.
    No Brasil, está prevista a construção e instalação de um protótipo piloto de 50 kW de potência, a ser expandido com a agregação de módulos para atingir 500 kW. O conceito desenvolvido pela COPPE/UFRJ, a partir de testes experimentais no Tanque Oceânico e no Laboratório de Tecnologia Submarina, é baseado no princípio de armazenamento de água sob alta pressão numa câmara hiperbárica, obtida pelo bombeamento realizado pela ação das ondas nos flutuadores. A câmara, que libera jato d’água, com pressão e vazão controlados, aciona turbina acoplada a gerador produzindo eletricidade. Este equipamento é um dos fatores de inovação que a distingue a tecnologia desenvolvida no Brasil das alternativas até então propostas em termos mundiais. Sua principal vantagem é possibilitar a simulação de elevadas quedas d’água sem que para isso seja necessário ocupar áreas de grande extensão, como exigem as hidrelétricas.
    Os testes foram realizados utilizando modelo reduzido do sistema de geração, na escala 1: 6,5 (Figura 1). Nos ensaios feitos com ondas monocromáticas, o modelo demonstrou capacidade de conversão de 35% do potencial energético da onda, percentual equivalente aos melhores desempenhos alcançados até o momento por tecnologias de aproveitamento da mesma fonte. Outra vantagem do sistema é sua característica modular, que possibilita alternativas de formas geométricas para o flutuador. Além do formato retangular, também vem sendo testado no laboratório um flutuador de desenho circular, que permite igual absorção de energia para diferentes direções de propagação das ondas.
    BatedoresArtigoSegenScientA
    Figura 1: Modelo na escala 1:6,5 em teste no Tanque Oceânico da COPPE/UFRJ.
    Cada unidade de bombeamento do modelo testado possui flutuador, braço, estrutura de fixação e bomba. Quatro destas unidades de bombeamento foram fixadas debaixo da plataforma de trabalho do laboratório, através de vigas de madeira e suportes de aço, a uma distância de aproximadamente 500 milímetros do nível da água. A bomba é sustentada pela base de fixação e a estrutura de madeira presa em quadros de aço que são aparafusados na plataforma. Dispositivo acoplado ao braço compõe o sistema de transmissão do movimento do flutuador para a bomba hidráulica. Mangueiras para alta pressão e outros acessórios interligam as quatro unidades de bombeamento à câmara hiperbárica. Uma válvula reguladora de vazão conectada à câmara (Figura 2) é responsável pela saída do jato de água para o acionamento da turbina (Figura 3), cuja pressão equivale a uma queda d’água similar a de grandes hidrelétricas, com 400 m de altura.
    CamaraHiperbaricaArtSegenScient
    Figura 2: Câmara hiperbárica.
    TurbinaHidraulicaArtigoSegenScitAmer
    Figura 3: Turbina hidráulica em operação.
    Implantação da usina piloto no Brasil
    A característica do mar local é que dita a capacidade de geração de uma usina de ondas. Os estudos feitos na COPPE analisaram o desempenho do modelo para as condições de mar próximo ao Porto do Pecém, litoral do Estado do Ceará, local previsto para a instalação da primeira usina de ondas do Brasil. Para tal, foram avaliadas as características das ondas, mais tarde simuladas em escala no Tanque Oceânico para testar a capacidade de geração da tecnologia nas condições específicas do local onde estará localizada a usina.
    As estatísticas de ondas foram elaboradas a partir das informações e dados registrados por um ondógrafo instalado ao largo da localidade do Pecém, a 60 km ao norte da cidade de Fortaleza, em uma profundidade média de 17 metros. As medições foram conduzidas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Hidroviárias (INPH) para subsidiar a construção do porto offshore do Pecém e seu monitoramento pós-construção. A análise dos dados obtidos durante 22 meses de pesquisa na região (1997 a 1998) indicou predominância de ondas baixas, entre 1m e 2m de altura, apesar de ter sido registrado ondas de até 2,5m (Figura 4). Todas, porém, apresentam uma distribuição bastante homogênea, apontando uma regularidade na altura significativa de onda com média anual de 1,4m (Figura 5).
    UsinaOcorrenciadeAlturaArtSegemScitAmer
    Figura 4: Ocorrência de altura significativa (Hs).
    UsinaAlturadeOndamediaArtigoSegenScitAmer
    Figura 5: Altura de Onda Média.
    As ondas entre 1m e 2m contribuem decisivamente para o potencial energético do local com, aproximadamente, 90% da potência total, como mostra a Figura 6.
    UsinaPotênciaFunçãoAlturaSignificativaArtigSegenSc
    Figura 6: Potência em função da altura significativa (Hs).
    Os períodos apresentam-se predominantemente curtos, entre 5 e 9s (Figura 7), com período médio de 7,53s. Os registros também indicam a ocorrência de ondas com períodos longos (12-20s), provenientes do Hemisfério Norte. No período analisado o sítio apresentou valores de potência média mensal variando de 6kW/m a 11kW/m e potência média anual da ordem de 7,7kW/m (Figura 8).
    UsinaOcorrenciadePeriodoMedioArtigoSegenScitAmer
    Figura 7: Ocorrência de período médio de ondas (T)
    UsinaPotenciaMediaRecursoEnergetico
    Figura 8: Potência média do recurso energético.
    Supondo-se que as características do clima de ondas sejam constantes para toda a faixa dos 573 km do litoral cearense, infere-se um recurso energético da ordem de 4 GW na região. Considerando a potencia média anual da onda de 7,5 kW/m, e um rendimento da usina de 35%, vinte módulos seriam capazes de gerar 500 kW, o suficiente para abastecer com iluminação e força motriz 200 famílias.
    As Figuras 9 a 11 mostram uma visão dos diversos componentes da usina de ondas, envolvendo arranjo dos flutuadores, bombas hidráulicas, câmara hiperbárica, conjunto turbina/gerador e o reservatório de água re-circulante.
    BatedordeFilmePecemArtigoSegenScientAmer
    Figura 9: Arranjo dos flutuadores da usina de ondas a ser instalada no quebra-mar.
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    Figura 10: Detalhes dos flutuadores e bombas hidráulicas.
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    Figura 11: Conjunto câmara hiperbárica, turbina e gerador elétrico.
    As pesquisas voltadas para avaliação dos recursos energéticos do mar e o desenvolvimento de dispositivos para a conversão em eletricidade são fundamentais para a expansão da aplicação desta tecnologia. Nesse sentido, a COPPE propôs à Eletrobrás a implantação do Programa Nacional de Energias Renováveis do Mar (PNERM), visando o levantamento dos recursos energéticos do mar territorial brasileiro e o desenvolvimento de conversores para o aproveitamento de ondas, marés e correntes. O potencial estimado da costa brasileira é superior a 100 GW, o que poderá agregar da ordem de 10 GW à matriz energética brasileira.
    O projeto de conversão de ondas em eletricidade conduzido pelo Laboratório de Tecnologia Submarina da COPPE/UFRJ contou com o apoio da Eletrobrás, do CNPq e do Governo do Estado do Ceará.
    Quadro explicativo do funcionamento da tecnologia brasileira
    A Figura 1 mostra num esquema simplificado, o arranjo dos equipamentos que compõem a usina. A letra A representa o flutuador, B o braço horizontal de articulação, C a bomba hidráulica de movimento alternativo, D a plataforma de sustentação e fixação dos equipamentos, E a câmara hiperbárica, F a válvula reguladora de vazão, G a turbina hidráulica, e a letra H, representa o gerador elétrico. Através da ação das ondas, flutuadores (A) fixados em estruturas horizontais articuladas se movimentam atuando como braços de alavanca. Esses braços de alavanca (B), numa certa relação, multiplicam as forças oriundas do flutuador para acionar bombas hidráulicas(C) de movimentos alternados. Estas bombas aspiram e comprimem o fluido durante a movimentação dos flutuadores para abastecer e manter elevada a pressão da câmara hiperbárica (E). A câmara hiperbárica é previamente pressurizada contendo água e gás nitrogênio em volume fixo e permanente, caracterizando um acumulador hidropneumático. A vazão de água, que abastece a câmara hiperbárica, é então liberada na forma de jato, para acionar uma turbina tipo Pelton (G) numa vazão igual ou menor àquela enviada pelas bombas, através de uma válvula controladora de vazão (F). A rotação obtida no eixo da turbina é transmitida a um gerador elétrico(H) para conversão de energia mecânica em eletricidade.
    EsquemaFuncionamentoUsinaArtigoSegenScietAmer
    Esquema ilustrativo do arranjo de equipamentos que compõem a usina.
    Créditos:* Coordenador do Programa de Engenharia Oceânica da COPPE/UFRJ, onde é professor titular de Estruturas Oceânicas e Tecnologia Submarina.
    ** Colaboradores: Paulo Roberto da Costa, Marcelo Martins Pinheiro, Eliab Ricarte, André Mendes, Paulo de Tarso Esperança

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